
Shiská Pereira: “A maioria das obras apresenta algum tipo de irregularidade. São casos, por exemplo, de obras inacabadas ou abandonadas mesmo tendo recebido 100% recursos” / Foto: Secom/Gov.RR /
Um mistério está prestes a ser desvendado pelos órgãos de controle estaduais e federais, entre eles o Tribunal de Contas da União (TCU), com prováveis consequências para um ex-governador de Roraima, que contraiu empréstimos milionários – que juntos, chegam ao montante de 1,2 R$ bilhão – deixando a conta para a gestão posterior pagar sem, contudo, ter demonstrado de forma clara que esses recursos foram, de fato, aplicados corretamente.
É o que consta, basicamente, de um amplo relatório elaborado pelo ex-secretário estadual de Fazenda de Roraima, Shiská Pereira, que foi entregue à governadora Suely Campos (PP), com recomendações para que o documento seja entregue aos Ministérios Públicos de Roraima (MPRR) e Federal (MPF/RR), ao Tribunal de Contas do Estado (TCE-RR) e TCU.
O TCU, aliás, já anuncio que vai investigar o motivo de o Tesouro Nacional ter dado garantias a empréstimos para Estados “que já estavam em péssimas condições financeiras e tinham maior risco de dar calote”. No centro das investigações do TCU estão Rio de Janeiro e Roraima, conforme reportagem publicada no início deste mês pelo jornal Estado de São Paulo e a revista IstoÉ Independente.
“Entre 2012 e 2015, a União garantiu R$ 73 bilhões em operações de crédito para os governos estaduais com rating C ou D, enquanto os Estados com menor risco de inadimplência tiveram aval para obter R$ 44,9 bilhões em novos financiamentos, segundo dados revisados… [dia 31 de outubro] pelo Tesouro Nacional”, informa a reportagem.
Ainda segundo a reportagem a manipulação das garantias é uma das vertentes da maquiagem nas contas dos Estados, que foram irrigados com recursos do BNDES, Caixa e Banco do Brasil. A consequência foi o agravamento da crise financeira dos Estados e a necessidade agora de o Tesouro honrar dívidas que começam a não ser pagas.
“O calote chega a R$ 1 bilhão em apenas cinco meses deste ano. Rio de Janeiro e Roraima foram os dois Estados que não quitaram parcelas de empréstimos nesse período, mas o governo já admite que outros podem seguir o mesmo caminho”, detalha.
‘Bomba-relógio’
De acordo com o relatório elaborado por Shiská Pereira, entre 2008 e 2014 o Governo de Roraima, de forma irresponsável – período da gestão Anchieta Júnior -, tomou empréstimos que, juntos, somam R$ 1,2 bilhão, mesmo não tendo condições reais de pagar as parcelas, se tornando uma ‘bomba-relógio’ que explodiria nas mãos da governadora Suely Campos, que atualmente paga, mensalmente, cerca de R$ 20 milhões mensais de parcelas dos empréstimos.
O que chama mais atenção, segundo Shiská Pereira, é o fato de não haver nenhuma comprovação de que esse montante foi realmente utilizado conforme o planejamento. Desse montante, R$ 600 milhões eram para sanear a Companhia Energética de Roraima (CERR), R$ 400 milhões para a Companhia de Desenvolvimento de Roraima (CODESAIMA) e os cerca de R$ 200 milhões restantes para outras áreas.
“Não existe qualquer documento que comprove a destinação correta desse dinheiro. Apesar de ter como destino a CERR e a CODESAIMA, esse montante foi desmembrado em 12 convênios, todos coordenados pela SEINF [Secretaria Estadual de Infraestrutura]. No entanto, a maioria das obras apresenta algum tipo de irregularidade. São casos, por exemplo, de obras inacabadas ou abandonadas mesmo tendo recebido 100% recursos. Desses R$ 1,2 bilhão, ainda restam cerca de 80 milhões, mas o Governo está impedido de receber – nem contrair novos empréstimos – por não ter ainda condições de obter a certidão negativa de débido da Receita Federal”, detalha.
Segundo Shiská Pereira, esse relatório aponta com detalhes essas situações e explica, de certa forma, os motivos de o Estado ter chegado à essa caótica situação financeira verificada nos últimos meses, tendo que tomar medidas impopulares – como suspensão do pagamento de fornecedores, redução de salários do primeiro escalão, parcelamento do salário de parte dos servidores, fatiamento no repasse ao duodécimo aos demais Poderes, entre outras.
“Esperamos que os órgãos de controle investiguem a fundo esses casos e, ao final, puna os reais responsáveis pelas irregularidades que podem ter desviado grande parte dos recursos oriundos dos empréstimos milionários contraídos nas gestões passadas. A população não pode pagar pelos erros – ou falcatruas – que possam ter sido cometidas por pessoas sem o mínimo compromisso com o futuro do nosso Estado”, enfatiza.
O FatoReal conversou, com exclusividade, com Shiská Pereira. Acompanhe a entrevista:
FatoReal: Como o Estado de Roraima chegou a essa situação de calamidade financeira? É incompetência da atual gestão, como a oposição insiste em afirmar?
Shiská Pereira: A imprensa nacional noticiou recentemente que o TCU estaria investigando o calote dados pelos Estados em relação a empréstimos e nesse contexto aparecem o Rio de Janeiro e Roraima. Todo mundo sabe que esses atrasos que ocorreram, os chamados ‘calotes’, ocorreram porque o Estado teve as contas bloqueadas em diversas ocasiões, o que foi desequilibrando o pagamento das parcelas dos empréstimos, fornecedores, salário dos servidores, entre outros, nos últimos quatro ou cinco meses. Essa dívida com empréstimos foi adquirida na época do Governo Anchieta Júnior. São empréstimos obtidos junto à Caixa Econômica, tendo como avalista a União, por meio do Tesouro Nacional. Quando o Governo atrasa o pagamento com a Caixa, ela simplesmente cobra Tesouro Nacional que paga a conta e, subsequentemente, desconta do FPE a ser repassado para o Estado. O problema é que o TCU observou que isso tem ocorrido com maior frequência e está questionando de alguns Estados realmente teriam condições de ter adquirido esses empréstimos.
FatoReal: Mas o Governo sempre fala em liquidez fiscal e excesso de arrecadação. Isso não influencia para amenizar essa situação?
Shiská: Apesar de se falar em liquidez e solidez fiscal e excesso de arrecadação, a realidade é que Roraima não tem uma liquidez a curto prazo, para pagamento de dívida. Quando se fala em liquidez e solidez fiscal, leva-se em conta apenas os números, pelo fato de o Estado não ter ultrapassado a receita líquida de pessoal (é acima de 60%), não ter débito com previdência. A questão é que as receitas previdenciárias não pagam conta. Então, quando se diz que há superávit, se você olhar a contabilidade do Governo, verá que ela aparece positiva. Mas por que isso acontece? Porque o IPER [Instituto de Previdência do Estado de Roraima] é superavitário, é uma receita patrimonial, assim como as receitas de convênios que, apesar de estarem nas contas, não podem ser usadas para pagamento de dívidas, porque têm destinação específica, verba carimbada. O Governo paga as contas com o que sobre do que arrecada do ICMS e uma parte do FPE. E maior problema é o FPE, porque o ICMS é muito pequeno. Embora o Governo tenha obtido êxito em aumentar a arrecadação, não é suficiente para pagar as contas.
FatoReal: Mas a atual gestão já explicou ao TCU todo esse processo?
Shiská: O Governo vem apontando, sim, há muito tempo, que as dívidas do Estado simplesmente triplicaram nos últimos sete, oito anos, de forma assustadora. Quando se vê tanta dívida contraída, você imagina que esses recursos foram aplicados e devem estar revertendo a favor do Tesouro Estadual a favor do aumento de arrecadação. Mas você não vê isso. Na verdade, o que constatamos nesse período em que estivemos à frente da SEFAZ, são relatórios de obras inacabadas, não entregues, convênios com problemas de fiscalização, entre outras situações. O que nos restou fazer quando deixamos a titularidade da Fazenda do Estado? Apresentar um relatório daquilo que tinha indícios de irregularidades. Os indícios são grandes, mas quem vai constatar são os órgãos de controle. Enquanto isso não acontece, só nos resta lamentar, porque se isso realmente se confirmar, estamos pagando por uma dívida de uma coisa que nunca tivemos. Em resumo, o Estado recebeu esses recursos, mas não há provas de que foram aplicados, restando ao atual Governo pagar a conta.
FatoReal: Esse relatório aponta um valor, o total em recursos provenientes de empréstimos contraídos na gestão Anchieta?
Shiská: Sim. Nas gestões anteriores, houve uma captação de recursos – por meio dos empréstimos – em torno de R$ 1,2 bilhão, mas o Estado recebeu entre 2008 a 2014 algo em torno de 1,035 bilhão, de acordo com os dados levantados no nosso relatório. Uma parte (R$ algo em torno de R$ 600 milhões) teria como destino o saneamento financeiro da CERR e a outra para a CODESAIMA. Mas o estranho é que esse dinheiro não foi efetivamete para a CERR, nem para a CODESAIMA, e sim para a SEINF, desmembrado em 12 convênios, dos quais, todos com indícios de irregularidades, como obras inacabadas, apesar de os recursos terem sido recebidos.
FatoReal: Mas apesar disso, o Estado continua pagando as parcelas desses empréstimos? Em torno de quanto mensalmente?
Shiská: Quando você junta tudo, chega-se ao montante de R$ 20 milhões que são descontados na fonte mensalmente pelo Tesouro Nacional. Somente da CERR e CODESAIMA, o total chega a R$ 13 milhões mensais. O lamentável é que o valor é tão alto, mas não se vê onde foram aplicados efetivamente. Embora em alguns casos os projetos da CODESAIMA estivessem contemplados nesses 12 convênios da SEINF, outros são no mínimo suspeitos, como a reforma do Parque Anauá, por exemplo, no valor à época de mais de R$ 4 milhões, amplamente divulgada pela imprensa local, assim como obras de asfaltamento de ruas de Boa Vista, enquanto o MAFIR [Matadouro Frigorífico Industrial de Roraima], em situação de abandono à época, não recebeu nenhuma injeção de recursos. Mas no final, quem vai apontar o que está certo ou errado são os órgãos de controle.
FatoReal: O atual Governo contraiu algum empréstimo para tentar aliviar o caixa? Se não fez ainda, estaria apto a fazer?
Shiská: Diante dessa situação, inadimplente com a Receita Federal e pagando cerca de R$ 20 milhões mensais das parcelas dos empréstimos contraídos nas gestões anteriores, o Estado não tem hoje condições de fazer novas dívidas. Seria bom conseguir recuperar esses recursos, esses convênios, que os contratos tivessem realmente sido executados, em benefício da sociedade. No entanto, até o momento, o Estado encontra dificuldades em captar novos recursos.
FatoReal: Esse relatório já foi entregue aos órgãos de controle?
Shiská: Creio que sim. Na verdade, ao deixar a pasta da SEFAZ, entreguei o relatório nas mãos da governadora Suely Campos, com a recomendação de que o documento fosse entregue aos órgãos de controle (no caso, Ministérios Públicos Estadual e Federal, e Tribunais de Contas do Estado e Federal). Creio que a governadora já tenha encaminhado o documento a esses órgãos de controle e só nos resta aguardar seus posicionamentos a respeito do assunto.
FatoReal: Depois que deixou o cargo, o também ex-secretário da Fazenda, Kardec Jackson, tem usado as redes sociais e as emissoras de comunicação do senador Romero Jucá para fazer uma série de acusações contra a gestão da governadora Suely Campos, afirmando inclusive que o Estado tem dinheiro em caixa e, assim, não estaria com suas finanças tão ruins como afirma. O que tem de verdade nisso?
Shiská: Preste atenção como o discurso muda: se a crise de 2016 é de incompetência da governadora Suely Campos, quem conduziu a Lei Orçamentária deste ano em 2015? Se o Governo não fez as auditorias necessárias no início da gestão Suely Campos, quem era que tinha as informações para efetuá-las? Responde-se: o ex-secretário de Fazenda Kardec Jackson. Depois de negar progressões e demais reconhecimentos financeiros aos servidores em 2015, Kardec Jackson, sendo secretário de Fazenda do Governo Suely Campos, agora vem querer se mostrar estadista na frente dos sindicatos de servidores? Isso chama-se hipocrisia. Foi Kardec Jakson que, durante entrevista coletiva em 20 de janeiro de 2015, anunciou medidas para tentar regularizar a situação financeira do Estado e, entre elas, propôs moratória, ou seja, a suspensão do pagamento das dívidas da gestão anterior. O discurso de Kardec Kakson mudou depois de sua exoneração do Governo Suely Campos. Vingança? Com essas atitudes, ele demonstra ser um cidadão despeitado. Foi ele quem conduziu toda a política econômica do Estado em 2015 e início de 2016 e agora quer fazer um discurso diferente, atacando a governadora, só porque foi exonerado? Atitude aética e lamentável da parte dele.
FONTE: FATOR REAL